“Até eu
encontrar um caminho, direi as únicas palavras que eu sei que você entenderá”, escreveram
Lennon e MacCartney em “Michelle”, canção imortalizada pelos Beatles nos anos
60. Canção de amor, que se reinventava por essa época de experimentação e rutura
com o passado. Por cá, as lutas eram muitas outras e também essa.
Foi com essa canção que a “Tuna
Sabes Cantar”, iniciou o seu
espetáculo na noite de 24 de Abril. O Cineteatro Paraíso estava repleto de
gente, novos e velhos, buscando poemas e músicas que soprassem a aragem de
liberdade que alguns antes nos trouxeram.
Foi um sucesso! Terá sido? A
casa estava cheia, cantou-se bem, chegava um coro de vozes uníssonas da plateia
e os aplausos diluíam as inseguranças. É que cantar Zeca Afonso e Lopes-Graça é
exigente, esperando-se sempre que os mais conhecedores se desiludam com a prestação
dos executantes.
Mas
era “o nosso
grito,…
de bandeira desfraldada,… rasgando a madrugada”, porque “não se podem cruzar braços, em águas mornas
navegar, que o futuro não se espera, só se pode conquistar” (José C. Morgado).
E o sucesso mediu-se por critérios amorosos, nascidos das nossas emoções, os “seus”
cantores, pulsando poemas e melodias
que justificam a persistência da esperança.
Não
houve apenas vozes em cena. Homens e mulheres se puseram a pensar, no
significado das palavras, na opção dos “manifestantes”, novos e velhos, que
marcharam e ocuparam o palco, nos cartazes com velhas
palavras. Nova poesia persistia em antigos trajes, nas pinturas “ao vivo” de
Zeca e Lopes-Graça, mas, sobretudo, nas emoções que jorravam dos peitos da maioria
dos que viveram, intensamente nesta noite, feitos filhos da madrugada, uma viagem
a uma outra madrugada, a de 1974.
Se,
no final desta noite, tivesse dúvidas sobre os méritos deste evento, não fosse
a minha falta de objetividade toldar a capacidade avaliativa, alguém muito
próximo e querido dissipou todas as dúvidas. Disse-me: “-Tive vontade de subir
ao palco e…” - e cerrou o punho
levantado. Sei que não foi a beleza da música e dos poemas, nem a qualidade “naturalmente
superior” dos cantores que motivou tanta adesão. Nesta noite quase madrugada
tinha sido levada a visitar uma época nova que lhe nascia nos braços. Encontrava
novamente uma arma que lhe devolvia a esperança de que o futuro pode ser
conquistado. A cantiga ainda é uma arma e alguns ainda não sabem.
“Até eu
encontrar um caminho, direi as únicas palavras que eu sei que você entenderá”. Ouvindo e
cantando Zeca Afonso e Fernando Lopes-Graça, usámos palavras que ainda
entendemos e que nos mostram caminho.
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