quarta-feira, 1 de maio de 2013

Canta-me como foi - de José Afonso a Lopes-Graça"


“Até eu encontrar um caminho, direi as únicas palavras que eu sei que você entenderá”, escreveram Lennon e MacCartney em “Michelle”, canção imortalizada pelos Beatles nos anos 60. Canção de amor, que se reinventava por essa época de experimentação e rutura com o passado. Por cá, as lutas eram muitas outras e também essa.

Foi com essa canção que a “Tuna Sabes Cantar”, iniciou o seu espetáculo na noite de 24 de Abril. O Cineteatro Paraíso estava repleto de gente, novos e velhos, buscando poemas e músicas que soprassem a aragem de liberdade que alguns antes nos trouxeram.

Foi um sucesso! Terá sido? A casa estava cheia, cantou-se bem, chegava um coro de vozes uníssonas da plateia e os aplausos diluíam as inseguranças. É que cantar Zeca Afonso e Lopes-Graça é exigente, esperando-se sempre que os mais conhecedores se desiludam com a prestação dos executantes.

Mas era o nosso grito,… de bandeira desfraldada,… rasgando a madrugada”, porque “não se podem cruzar braços, em águas mornas navegar, que o futuro não se espera, só se pode conquistar” (José C. Morgado). E o sucesso mediu-se por critérios amorosos, nascidos das nossas emoções, os “seus” cantores, pulsando poemas e melodias que justificam a persistência da esperança.

Não houve apenas vozes em cena. Homens e mulheres se puseram a pensar, no significado das palavras, na opção dos “manifestantes”, novos e velhos, que marcharam e ocuparam o palco, nos cartazes com velhas palavras. Nova poesia persistia em antigos trajes, nas pinturas “ao vivo” de Zeca e Lopes-Graça, mas, sobretudo, nas emoções que jorravam dos peitos da maioria dos que viveram, intensamente nesta noite, feitos filhos da madrugada, uma viagem a uma outra madrugada, a de 1974.

Se, no final desta noite, tivesse dúvidas sobre os méritos deste evento, não fosse a minha falta de objetividade toldar a capacidade avaliativa, alguém muito próximo e querido dissipou todas as dúvidas. Disse-me: “-Tive vontade de subir ao palco e…”  - e cerrou o punho levantado. Sei que não foi a beleza da música e dos poemas, nem a qualidade “naturalmente superior” dos cantores que motivou tanta adesão. Nesta noite quase madrugada tinha sido levada a visitar uma época nova que lhe nascia nos braços. Encontrava novamente uma arma que lhe devolvia a esperança de que o futuro pode ser conquistado. A cantiga ainda é uma arma e alguns ainda não sabem.
“Até eu encontrar um caminho, direi as únicas palavras que eu sei que você entenderá”. Ouvindo e cantando Zeca Afonso e Fernando Lopes-Graça, usámos palavras que ainda entendemos e que nos mostram caminho.

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