sexta-feira, 4 de julho de 2014


Vinte anos é muito tempo, mais do que poderíamos esperar. Anos partilhados com muita gente. Uns ainda estão. Outros a vida os encaminhou para outras vidas e outras prioridades, sejam profissões, novos locais de trabalho e estudo, os filhos e os netos que foram chegando. Outros ainda cantam, eternamente no arco-íris, aguçando os ouvidos para nos corrigir as dissonâncias e gargalharem como sempre o fizeram.
Passados vinte anos, acabadinhos de fazer no pretérito mês de Junho, não encontrei palavras de hoje para revisitar o passado, para afirmar a importância da “Tuna Sabes Cantar” na minha vida, profissional e pessoal. Sempre preferi o trocadilho à designação. “Tu’na’Sabes Cantar” traduzia melhor o milagre de muita gente sem formação musical se ter atrevido a cantar, orientados pela paciência e saber do maestro, porque o é.
Recupero aqui textos de 1997, por ocasião da gravação do nosso primeiro CD, “Cantar”. São as palavras que vos queria ter dito no dia 16 de Junho. Nesse dia brindei pelos vinte anos decorridos e à vida percorrida.

Estamos juntos vai para quatro anos, na Escola e à volta dela. Tantos e tão diversos, juntou-nos a vontade de derrubar muros e indiferenças.
Formada em Junho de 1994 para participar na Semana Cultural da Escola, agarrou este pretexto para se estruturar como grupo vocal e instrumental. De lá para cá tem apresentado várias constituições, como é inevitável pela natureza dos seus membros. Mas nela estão, desde o seu início, os alunos, pais e encarregados de educação, professores e funcionários da Escola, integrando hoje, para nosso orgulho e proveito, um universo ainda mais lato de ex-encarregados de educação, ex-alunos e ex-professores. Porque a afetividade, os sonhos e os projetos não se esgotam no termo dos anos letivos, na entrada dos filhos do ensino superior ou na mudança de local de trabalho.
Deixem que seja um construtor de palavras se não posso ser de pirâmides. E deixem que me debata com frases e parágrafos na tentativa de afirmar otimismo.
Embarcámos. Não é coisa de agora, mas de há algum tempo atrás. Embarcámos, digo eu, que sou dos Tunos Velhos e tenho uma frustração antiga de não ter sido marinheiro a sério, e me vejo obrigado a sustentar as ânsias de viagem com as leituras, navegadores e outras aventuras.
O nosso embarque foi outro: … O maestro dirigiu, os amigos … esmeraram-se nas colaborações, e os Tunos cantaram até mais não controlarem as cordas vocais.
Os miúdos e miúdas já podem começar a deitar-se a horas! Os funcionários já podem sair de serviço! Os professores já podem deitar-se antes das três da madrugada! Os pais e encarregados de educação já podem assumir as tarefas domésticas que lhes coube em sorte! O maestruno já pode sonhar com coisas mais animadas que as dissonâncias! Os jantares já podem ser comidos quentes e sem se confundirem com os pequenos-almoços!
Porque o nosso território é o mundo e a nossa gente o Universo, multicolor. A Escola soltou amarras e zarpou do porto seguro, navegando ao sabor das vagas, velas enfunadas por anseios secretos e públicos, e pelos sopros de mil vontades.
E nesta viagem prazenteira, calha às vezes navegar à bolina, a amurada rente às águas, a vencer os ventos contrários e deles colhendo os impulsos para retomar o caminho. Mais devagar, mais temerosos, mas retomando o passo.
De porto em porto, apura-se a coesão da tripulação, renovada ao sabor da maré. Embalados por vocalizos e trinados, mui­tas vezes dissonantes, despertamos as iras dos barítonos e sopranos virtuais que povoam os porões dos nossos inconscien­tes. Mas cantamos. Juntos.
Em cada destino goza-se o prazer da descoberta. O - “Terra à Vista!” - é saboreado até à última sílaba. Apreciam-se gulosamente os novos rostos anfitriões, as saudações, a recolha e oferta de informação.
Cada Tuno, Velho ou Novo, é um embaixador plenipotenciário, exibindo orgulhosamente as credenciais da representação pública. Cada um de nós se sente a representação de um modelo de Escola, ou antes, de um modelo de comunidade educativa: a que optou por derrubar muros e combater a indiferença, a que permite o voo de “sons” diferentes, a que se robustece com a discordância.

Vinte anos é muito tempo, vivido com quem “sorri para mim”!